Os chefs que abraçam o lixo
Pular para o conteúdo

Os chefs que abraçam o lixo

ALGUNS MESES atrás, fiz algo que tinha vontade de fazer havia anos: fui na madrugada ao Ceasa ver os peixes vendidos no atacado.

Tinha uma imagem idealizada do que seria: uma linda miríade de peixes fresquíssimos. Foi um choque.

Vi atuns machucados, montanhas de cações descabeçados e congelados, peixões jogados sem cuidado. Descobri que peixes sem mercado, presos nas redes por acidente, são jogados em caixas de “mistura”, vendidas por troco.

Nessas caixas de sobras, há de tudo -inclusive peixes pequenos deliciosos. É uma pena que peixe pequeno não dê audiência.

Enquanto a maioria dos restaurantes estrelados recebe seus peixões já limpos e divididos em lombos, alguns chefs viram o olhar para o que os peixeiros jogam fora.

O lixo de uns é ouro para outros: o chef Rodrigo Oliveira tem no menu de seu Mocotó asinhas fritas de pintado. Pediu a um produtor de Mato Grosso do Sul que, em vez de descartá-las, as mandasse para ele.

Thiago Castanho, do Remanso do Bosque, em Belém (PA), faz da pele do pirarucu um belo torresmo.

Nem só dos peixes aproveitamos menos do que devemos: com o que um restaurante joga fora durante um dia picando legumes e cortando carnes se faz um banquete.

Feroz defensor do respeito pelos ingredientes, o chef Normand Laprise, do restaurante Toqué (o equivalente ao D.O.M., em Montréal), serviu há pouco um jantar sofisticado de seis serviços só usando restos tirados das lixeiras do mercado local.

Pratos feitos de rebarbas podem ser tão ou mais refinados do que um “carré” de cordeiro ou uma posta de robalo: basta saber tirar o máximo do ingrediente. Que o diga a chef Roberta Sudbrack, que há muito cozinha com sementes de quiabo, cascas de banana e “cabelos” de milho.

Quando provei recentemente no Agapé Substance, um concorrido restaurante de Paris, o ambicioso menu-degustação, serviram-me trufas e ouriço-do-mar. Mas sabem qual prato foi o favorito? Um consomê de cascas de batata.

Propostas sustentáveis e conscientes estão mudando a gastronomia mundial.

Fonte:Folha de São Paulo -  A GOURMET - ALEXANDRA FORBES

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *